De um borrão se faz obra-prima

Trabalho com crianças há pouco mais de três anos e das coisas que mais gosto de observar são seus desenhos. A forma como utilizam as cores e trazem à tona seus pensamentos e sentimentos a uma folha em branco. Tantos são os traços e jogos de cores revelando uma mente em construção e um imaginário constantes. Acho incrível como são capazes de contar muitas histórias a partir de seus contornos com maior e menor intensidade. Pra muitos não passariam de meros rabiscos, contornos assimétricos sem qualquer significado, talvez você já tenha pensado dessa forma, até perceber que  estava equivocado.
Na minha visão, as crianças preferem utilizar giz de cera, dão textura e conferem maior mobilidade ao traço. Acentuam as cores e dão brilho ao desenho.  No entanto, ao passo que vão crescendo, começam a abandonar aos poucos o giz e dar preferência  ao lápis de cor, como nós em sua maioria, as exceções deixamos à alguns artistas. O motivo de fato desconheço, talvez seja  pela firmeza e domínio do traçado. O borrão é um traço imaturo em desenvolvimento.
Por muitas vezes pensei que, nesses últimos tempos, não preferiríamos estar com um lápis de cera nas mãos, sair da sensação de controle  sobre nossas vida, sobre o que queremos ou pensamos, ela não passa de um borrão. No fundo, estamos com um enorme giz de cera nas mãos. Ao passo que estamos indo à uma direção, de repente o traço toma outra. Vivemos em uma intensidade e tudo passa a ficar mais fraco. Vivemos sob uma perspectiva e, de repente, mudamos para uma outra  , como se começássemos desenhando num canto de uma folha e de repente mudássemos para outro canto. Parece que tudo não passa de um borrão sem sentido, um desenho feito por alguém de apenas 5 anos. Perguntamos do que, porque viemos e porque estamos, uma crise existencial. Parece estarmos sujeitados a uma obra - prima  que não poderá ser exposta. Entretanto, se perguntarmos aos pequenos, estes parecem ter a certeza sobre aquilo que descrevem sobre seus borrados. Vejo como perdemos a capacidade de enxergarmos sob o ponto de vista de uma criança.

A verdade é que somos limitados demais para enxergarmos o todo. Essa limitação nos faz enxergar o todo como um borrão sem sentido. Do contrário,  a vida é muito mais do que apenas tintas que surgem acidentalmente. Ela foi feita de borrões que foram minuciosamente constituídos e propositais. O artista pode utilizar de colorações intensas e sombrias e outras alegres e vibrantes. Cada borrão tem seu valor. Cada traço faz parte de um todo. Apesar de  sermos pequenos e insignificantes, não compredermos o sentido de como as cores e intensidade são colocadas, fazemos parte de uma Obra- Prima!
Carolina Zuffo

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