“Mother” uma leitura bíblica de Aronofshy


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Nunca pensei que ter alguma noção de teologia me faria ser umas das poucas pessoas a permanecerem na sala de cinema, ou mesmo de estranhar o fato de muitas gargalhadas durante o filme. Eu diria que Mãe é um filme que nos faz refletir, mesmo não gostando, há algo a se dizer a seu respeito.
Em linhas gerais, o filme conta sobre o  contato do homem com a natureza e a criação. Ele narra um universo cíclico em que o começo, o meio e o fim se repetem constantemente. O filme se inicia da mesma forma como encerra, partindo da destruição do universo que é consumido pelo fogo, sua destruição, um processo degradação, a criação, sempre num processo cíclico. No entanto, o enredo não é comprometido com uma teologia cristã mas esta mais próximo da cosmologia grega.  Se pensarmos em Heráclito, este dizia que o mundo era destruído pelo fogo e criado pelo fogo : “Heráclito assevera que o universo ora se incendeia ora de novo se compõe do fogo, segundo determinados períodos de tempo, na passagem em que diz “ascendendo-se em medidas e apagando-se em medidas”. (Aristóteles, De Caelo). Os pré-socráticos estavam sempre em busca da arque, do inicio, contrapondo a linearidade Bíblica: começo, meio, e fim,  como vemos em gêneses no qual o universo foi criado a partir do nada, expressão latina ex nihilo nihil fit, que significa  “nada surge do nada” atribuída pelo filosofo grego Parmênides. Não haverá uma nova chance para a coisa criada mas um novo mundo, onde os justos serão recompensados.
No filme há dois personagens principais, duas divindades, a natureza e Deus, que são revelados ao longo de algumas de suas falas finais. Deus refere-se a si mesmo como encontramos no livro de Êxodos 3.14- EU SOU o que sou, assim dirás os filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós” e como aparece nos créditos finais. Ele é um poeta e ela, personagem vivida pela atriz Jennifer Lowrence,  a mãe natureza que junto com a casa representam uma unidade. Ela não a deixa em momento nenhum do filme, não vai além do portão da casa. Tem uma relação muito intima com a estrutura, ela que a constrói, pinta e quando a toca sente o próprio coração palpitando. Tem um carinho e interesse em manter tudo organizado e é a fonte onde as pessoas encontram comida e coisas as coisas de que necessitam. Podemos ver que a personagem metaforicamente representa toda obra criacional, escolhe as cores e texturas das paredes da casa, e é referida pelo poeta como deusa ao longo de todo filme. No cristianismo temos a santíssima trindade representada pelo Pai, Filho e Espirito Santo, são as três formas com que Deus se revela ao longo do Antigo e Novo Testamento. No caso o autor, eleva a natureza como algo divino, maior que até que o próprio Deus, o poeta na trama, que do contrário, não apresenta  características de um Deus soberano e suficiente em si mesmo, mas um deus passivo e pessimista (gregos), que precisa de pessoas o tempo todo o bajulando bem como de sua mulher para voltar a escrever seus poemas. O filme é repleto de alegorias bíblicas ao utilizar-se de muitas metáforas que contextualizam o processo de degradação do mundo e da corrupção do homem. O início e o fim dos tempos, ainda que com desvios de conduta de alguns personagens, aborda de maneira muito interessante o enredo bíblico de gênese a Apocalipse. O autor e diretor Aronofshy também revela sua grande preocupação com as questões ambientais (visão panteísta) ao mostrar o cuidado de sua personagem com a casa e seu esforço para mantê-la preservada ao longo de todo o filme, o que nos sugere estarmos atentos sobre a nossa relação para com a natureza.

Por Carolina Zuffo


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