“Sonhar que é possível reinventar a educação”

 Pensarmos no  professor/a como agente e sujeito do processo
educacional, pretendemos reconhecer as possibilidades de ação individual e coletiva pela efetivação
do direito à educação de qualidade para todas. E, tendo em vista a identificação e discussão de
inúmeras questões concretas relacionadas à temática, ao longo do ano, acreditamos que é tempo de
nos perguntarmos por sonhos.
Para que possamos nos aproximar desta perspectiva, é necessário primeiro que reflitamos
sobre o que significa sonhar para cada um de nós.

I - Sonhar: algumas aproximações
Muitas podem ser as aproximações do sentido desta palavra tão carregada de sentido:
sonhar. Vamos assinalar três delas:
Sonhar, para muitos, significa negar a realidade, “viver nas nuvens”, não querer enfrentar os
conflitos cotidianos do viver e situar-se num mundo imaginário. Neste sentido, sonhar é alienar-se,
situar-se num futuro desvinculado do presente. Frequentemente é neste sentido que nos colocamos
quando afirmamos: “ele/ela é um/a sonhador/a”. Certamente não é este o sentido que assumimos
quando fazemos nossa a frase “Sonhar que é possível reinventar a educação”.
Um segundo sentido que podemos reconhecer hoje com bastante força na sociedade em que
vivemos é negar a própria possibilidade do sonho como algo ultrapassado, que correspondia a
outros momentos da história. Vivemos em tempos de pragmatismo, da centralidade do mercado e
do consumo, de individualismo e competitividade. Neste nosso tempo, as chamadas
“metanarrativas” não têm lugar. É necessário ter “os pés no chão”, sobreviver, ser produtivo,
centrarmo-nos no presente que é o único que temos entre mãos, sem nenhuma outra preocupação
que nos descentre de nós mesmos, dos nossos interesses e do nosso êxito.Também não é esta a
nossa perspectiva.
No entanto, é possível situar-nos numa terceira posição: sonhar como projeto de vida
pessoal e coletiva. Nesta perspectiva é importante articular memória-identidade-projeto. Fazer
memória, assumir nossa história, situar-nos plenamente no presente é fundamental. Reconhecer o
nosso processo de construção de identidade, sempre aberto e dinâmico, nos centra nas buscas
pessoais e coletivas de afirmação da vida. Assim, com os pés na realidade, descobrimos nela as
ações, gestos e atitudes que apontam para este “outro mundo possível” que muitos, nas diferentes
partes do mundo, continuam teimosamente a tentar tecer a partir do cotidiano. Aqui sim, convido a
cada um/a de vocês situar-se como cidadãos e cidadãs.

II- Nossos sonhos como educadores/as na perspectiva de reinventar a escola
Estamos aqui para compartilhar nossos sonhos sobre uma educação de qualidade para
todas, para construir conjuntamente caminhos de reinventar a escola.

Para iniciar nosso diálogo proponho algumas características que me parecem fundamentais
neste processo:

1- Reinventar a escola só tem sentido se for um sonho coletivo. Um sonho que nasce do nosso
cotidiano, das inquietudes e das práticas diárias dos educadores. Muitas das propostas de reforma e
renovação curricular que se têm sucedido no nosso país e em toda a América Latina, não dão certo,
não avançam ou morrem com as sucessivas mudanças de governo e não têm continuidade porque
nascem de um grupo de especialistas, das propostas dos organismos internacionais, ou de outros
coletivos, mas não nascem da fala e da experiência dos educadores que estão na ponta do ensino. A
reinvenção que queremos mobilizar tem os educadores como seus principais protagonistas. A cada
um/a de vocês, a todos nós como atores principais deste processo de reinvenção da escola.
2 – Reinventar a escola implica ter “a mente e o coração no momento presente” (Pedro Poveda),
isto é, ter como referência fundamental os tempos que estamos vivendo. Tempos difíceis, cheios de
contradições e desafios. Tempos que exigem muita reflexão a partir do vivido. Tempos que exigem
coração, paixão, compromisso. O processo de reinvenção que queremos promover quer mobilizar
nossas melhores energias intelectuais e afetivas para que a escola esteja cada vez mais sintonizada
com os tempos que estamos vivendo e construa coletivamente respostas às novas questões que nos
desafiam cada dia.

3 – Reinventar a escola supõe reconhecer a cada pessoa como sujeito de direito. A cada um, a cada
uma de nossos alunos e alunas, a nós mesmos. Em realidades muitas vezes marcadas pela negação
do outro, pela homogeneização, pelo silenciamento das diferenças, estamos chamados/as a olhar a
cada pessoa em sua mais profunda dignidade, em sua mais profunda singularidade. E, ao mesmo,
tempo fortalecer processos de construção conjunta em que igualdade e diferença mutuamente se
reclamem.

4 – Reinventar a escola supõe recriar a qualidade da educação. Tod@s nós queremos uma
educação de qualidade para tod@s os nossos alunos e alunas. No entanto, é importante que
dialoguemos sobre o que significa no nosso cotidiano uma educação de qualidade. Não podemos
deixar de reconhecer a complexidade da discussão na medida em que a qualidade passa
necessariamente pela discussão do financiamento da educação, pela gestão democrática, pela
participação mais ampla da comunidade, pela valorização dos profissionais da educação, pela
avaliação da qualidade na ponta do sistema, ou seja, no interior de nossas escolas. Não queremos
que a qualidade se oriente exclusivamente para uma integração a-crítica na sociedade em que
vivemos. Sabemos que a qualidade é um conceito político, historicamente constituído e com muitos
significados em disputa. Defendemos o critério de qualidade como fator intrinsecamente
relacionado a uma democratização radical do direito à educação e a um fortalecimento da escola
pública. Apostamos numa qualidade que seja capaz de integrar as dimensões intelectuais, afetivas,
relacionais, ética, sócio-política, cultural e transcendente dos processos educacionais. No trabalho
conjunto com os professores ao longo de 2006 já levantamos alguns componentes que podem
favorecer a construção de uma educação de qualidade. E, nesta perspectiva, uma constatação inicial
foi feita: uma proposta de qualidade da educação supõe diálogo, socialização das experiências e
construção coletiva.

Reinventar a educação supõe, portanto, construir pontes, articular desejos, idéias, buscas,
iniciativas e projetos. Exige construir redes com outros, tecer fios, ir progressivamente ampliando o
círculo de nossos parceiros e parceiras. Atualmente na América Latina está começando a se
organizar um movimento, Educadores em Rede, orientado a esta reinvenção, a construir uma
proposta sócio-educativa capaz de dar resposta aos tempos difíceis em que vivemos. Estamos
convidados/as a unir nossas forças para juntos/as “Sonhar que é possível reinventar a educação”.


Bibliografia ;
Este texto foi apresentado pela professora Vera Maria Candau no Encontro Regional de Educadores em Direitos
Humanos, em junho de 2006 e no Encontro Regional de Cachoeiras de Macacu, em setembro de 2006.

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